sábado, 19 de abril de 2008

A hora do show!


Em coluna escrita na ultima segunda feira para o jornal Folha de São Paulo, Alba Zaluar fala sobre o modo bárbaro através do qual a mídia se apropriou (e é exatamente essa a palavra que deve ser usada) do caso da jovem Isabella Nardoni, que, como todos sabemos, foi agredida e arremessada de um prédio em São Paulo. Conforme coloca Alba: “O julgamento de acusados, segunda a legislação vigente, tem rituais próprios e deve seguir regras de conduta de todos os atores para que haja segurança quanto à decisão final de serem culpados ou inocentes. Ela se dá no tribunal de júri e, se for bem feita, aprimora a cultura jurídica de toda a nação. O que vimos foi mais que afobação nas cenas gravadas todos os dias, de manhã, de tarde e de noite para o Grande Irmão. Foi o açodamento na condenação dos dois principais acusados pela platéia que agia segundo impulsos emocionais característicos do comportamento de multidão. Mas alimentados por declarações de promotores, testemunhas e alguns policiais sobre o andamento do processo. A mídia virou o tribunal. A imprensa cobra o que resta a esclarecer como se fosse ela o veículo para elucidar o crime bárbaro cometido. Estamos diante do espetáculo-drama midiático que se apropriou da proclamação de justiça e que vende. Não se surpreendam se houver uma pesquisa on-line ou telefônica para saber quantos condenam os acusados. Com percentual e tudo.”
De fato, como diz a autora, “a mídia virou o tribunal”, ou seja, ela tem buscado instrumentos cada vez mais eficazes para se inscrever não somente como responsável por um registro dos fatos, mas sim como parte da própria máquina condenatória. Esses dias vi um jornalista falando que a mídia é “parceira” da justiça e não devemos nos enganar crendo que essa “parceria” significa respeito e transparência. A parceria da qual esse jornalista falava pode muito bem ser lida na chave da competição pela “verdade”, ou, pela representação legítima da violência ocorrida com a garota.
Em minha dissertação de mestrado busquei compreender justamente esses métodos e a visão dos profissionais ligados à televisão e vi que o buraco é bem mais embaixo. Isso porque quando os jornalistas falam de “verdade”, esse termo ganha um caráter específico na televisão. Mostrar a “verdade” significa tornar visível o fato que se pretende elucidar, bem como a própria posição ocupada pelo repórter em seu campo de atuação. E os repórteres fazem isso buscando estar sempre à frente dos demais e inclusive da própria polícia (que por diversos momentos também acaba cedendo ao jogo midiático).
Sem muito esforço é plenamente possível recordarmos outros casos cujo tratamento redundou nos mesmos efeitos no Brasil. Quem não se lembra do seqüestro de Wellington Camargo, irmão de uma das duplas sertanejas mais conhecidas do país. Naquele momento um dos programas de maior sucesso era o Programa do Ratinho e este apresentador (Ratinho), no momento crucial (quando já havia algum tempo que Wellington se encontrava nas mãos dos bandidos) do seqüestro, chegou a propor um disque 900 para que a população juntasse um milhão de reais a título de resgate, quando na mesma tarde os seqüestradores haviam prometido soltar Wellington por 300 mil. No dia seguinte um pedaço da orelha da vítima foi endereçada à família.
Também podemos lembrar de um caso recente em que uma criança morreu subitamente vomitando um líquido branco que, posteriormente serviu de base para que a mãe fosse acusada da morte como se tivesse oferecido cocaína à menina. Diversos telejornais incriminaram a mãe de modo que na prisão preventiva (solicitada graças ao show mediático) a mulher fosse vítima de espancamento por parte das demais presas. Pouco tempo após sua soltura a verdade foi descoberta e apontou para a inocência da mulher e para a ausência de qualquer substância tóxica no corpo da criança.
Outro ponto importantíssimo do texto de Alba que é o fato de que nos becos e favelas muitos são os casos de pessoas inocentes julgadas antecipadamente pela população. Tal afirmação é baseada em dados divulgados pelo estudo de Nanci Cárdia e Sérgio Adorno do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Certamente essas considerações por si só devem valer para que possamos reavaliar os modos de atuação de grande parte dos profissionais da imprensa. Há que se pensar certamente em um conselho político capaz de acompanhar (o que não significa censurar) os trabalhos desses profissionais. Através de posturas como as que temos visto atualmente só nos resta esperar que mais crimes sejam cometidos uma vez que a justiça com as próprias mãos, subliminarmente acaba sendo o coro da imprensa. Lamentável (...)



Nenhum comentário: