Recentemente publiquei um artigo na revista Sociologia Ciência e Vida (Ed Escala; ano II; Nº 14), onde busquei pensar as questões mais importantes em minha opinião, trazidas pelo filme Tropa de Elite. Em grande medida o texto foi motivado por uma certa bronca que fiquei ao ver ecoar de maneira muito uniforme (salvo raras exceções) a opinião de que o filme era fascista na medida em que não dava abertura a um tipo de visão da violência distinta daquela reproduzida pelo personagem Nascimento. O capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) com espírito truculento orientado por uma visão moralista e preconceituosa.
Antes (e depois) da publicação do artigo li diversos textos motivados por uma intenção de linchar simbolicamente o filme de José Padilha, e todos eles, em minha maneira de ver, apenas se baseavam em visões pouco lúcidas a respeito das questões mais importantes trazidas por Tropa de Elite. A primeira coisa a qual me questionei diante desses ataques foi: Se o filme não dá abertura a uma leitura distinta daquela que Nascimento tem da violência, ou seja, se todos os que assistem à Tropa de Elite acabam seduzidos pela brilhante interpretação de Wagner Moura (Capitão Nascimento) e, conseqüentemente, acabam caindo na onda do darwinismo social, por que eu não enxerguei o filme assim desde a primeira vez que o vi? Por que eu não enxerguei Nascimento como um herói e nem vi no filme uma trama capaz de caracterizá-lo dessa maneira? Bem, o que busquei dizer em meu texto é que o grande ponto de Tropa de Elite se encontra na maneira como o filme escancara o inacabamento do projeto democrático e das zonas de comunicação entre o espaço “público” e “privado” no país, abrindo caminhos para pensarmos nas conseqüências que essa democracia mutilada causa no modo através do qual as pessoas pensam a si próprias no Brasil. O ponto ao qual me refiro é aquilo que Luiz Eduardo Soares chama de Double Bind, ou seja, uma dupla mensagem que se encontra em todos nós e que acaba gerando curto-circuitos constantes em nosso modo de lidar com as leis e os limites sociais. Mas isso (creio) está bem retratado no meu texto (que pode ser lido tbm na versão on line: http://www.portalcienciaevida.com.br/ESSO/Edicoes/14/artigo69693-1.asp).
O ponto o qual pretendo chamar a atenção usando este exemplo da recepção do filme pela crítica é o fato de que, na ânsia pelo ataque na imensa maioria dos casos, a grande questão foi deixada de lado. Buscou-se identificar na estrutura interna do filme um problema que não está nela, mas na sociedade em que vivemos e na conseqüente dificuldade de lidar com a questão da violência e da relação com o “outro”. Há pouco tempo uma pesquisa realizada na USP fez duas perguntas às pessoas em nosso país. A primeira: você é racista? E, é claro, quase 100% dos entrevistados disseram não, e a segunda: você conhece alguém que é? E 100% das respostas foram sim. Isso mostra o quanto o problema são os “outros”, como se cada brasileiro fosse uma ilha de justiça cercada de injustiças por todos os lados. E a grande pergunta ligada aos efeitos que Tropa de Elite gerou sobre o público que, creio, ficou esquecida é: Afinal, por que um imenso contingente de pessoas que assistiram ao filme se identificaram com o capitão Nascimento? Para responder essa pergunta é necessário ir um pouco além do filme.
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