As dores da cidade
Há algum tempo não escrevo neste espaço. Isso, porém, não significa que não tenham ocorrido coisas interessantes em minha vida ao longo desse período. No entanto, a tensão das provas do doutorado entre outros compromissos acabaram me causando uma necessidade imensa de férias. Passado esse tempo, ontem me ocorreu a primeira grande vontade de retomar minhas escritas por aqui. Minha motivação se deu após assistir ao filme “O signo da cidade”, estrelado por Bruna Lombardi e dirigido por seu marido Carlos Alberto Riccelli. O filme mistura momentos muito sensíveis e estimulantes com outros dispensáveis (sobretudo pela má atuação de alguns atores), todavia buscarei me deter primordialmente sobre aquilo que achei belo. A história é contada através das experiências da astróloga Teca (personagem de Bruna Lombardi) que, após um passado extremamente conturbado pelo rancor de uma série de mistérios não resolvidos (como as razões por trás do abandono provocado por seu pai e da estranha afetividade mantida entre sua mãe e uma “tia”), encontra na astrologia um modo de resolver mecanicamente seus principais dilemas. Teca tem um programa no rádio onde escuta histórias de vida de pessoas que a procuram para buscar caminhos para continuarem acreditando em seus "destinos tortos" e ao longo do filme essas trajetórias vão se cruzando com a da astróloga que, conseqüentemente, passa a lidar com o tortuoso dilema da relatividade do tempo e de nossas escolhas (contrária à “verdade” dos oráculos). Algo que a impossibilita de acreditar plenamente no poder dos astros. Ao longo da trama nos solidarizamos com Teca e nos reconhecemos em seus inúmeros momentos de angústia diante da “insustentável leveza” de nossas certezas cotidianas. O que nos aparece todo o tempo no filme é uma cidade partida, fraturada por uma solidão aglomerada e dispersa e que, no entanto, se mostra presente em sua arquitetura (ou na falta dela), em sua cartografia, nas ruas, nas paredes cinzentas, nos muros pichados, na dureza e aspereza que se somam a uma estranha solidariedade contida no amor daqueles que se reconhecem entre seus muros e escombros. Mas o ponto mais belo é o fato de que o filme não se resume à solidão e às perdas pelas quais os personagens passam (e cuja morte é o principal elemento). O filme trata da dor e da beleza de sermos o que somos a partir do movimento que nos toma e nos envolve, sem que estejamos preparados para as reviravoltas trazidas por ele. Há uma associação entre as trajetórias de vida em meio às luzes da cidade e a via láctea realmente tocante. Isso porque ao vermos a imagem de nossa galáxia após assistirmos os cruzamentos entre as vidas dos personagens nas tramas da cidade, acabamos sendo arremessados às nossas verdadeiras dimensões diante do infindável universo. É como se cada um de nós carregássemos a própria via láctea dentro de nossos “pequenos mundos” e insistíssemos em tentar acreditar que os dilemas da vida não passam de perguntas a serem resolvidas. Entretanto, na realidade, assim como na via láctea, o passado e o futuro se misturam e criam uma massa densa de sentimentos capazes de gerarem ações que, por conseqüência, desenham a própria paisagem urbana de forma bela e triste, de tal maneira que nos enxergamos apenas através dos “outros” e das trajetórias que os acompanham e os deixam de acompanhar (nessa perspectiva aquilo que deixamos de ser ou de dizer importa tanto quanto o que fomos e dissemos). Conforme mencionei anteriormente, alguns pequenos problemas técnicos desequilibram a imensa potencialidade contida no roteiro do filme, mas nada que o conjunto da coisa não recubra de modo tocante. Ao final fica a impressão de que “o signo da cidade” somos nós e o que fazemos com as dores que carregamos diante dessa inelutável viagem a qual chamamos “vida”.
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