segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Foi apenas um sonho



A condição e as projeções

Há algum tempo eu não pagava ingresso para ver um legítimo Blockbuster na telona, mas esses dias, ao me deparar com a sinopse do filme "Foi apenas um sonho", do diretor Sam Mendes (o mesmo de Beleza Americana) e estrelado pelo casal de Titanic (Leonardo Dicaprio e Kate Winslet), fiquei tocado. O filme parecia tratar de aguns temas que sempre me atraíram e sobre os quais venho pensando há algum tempo. A sinopse dizia respeito à angústia vivida por um casal suburbano diante das impossibilidades de se tornarem aquilo que o desejo burguês os pressionou a serem. Era como se o destino os impedisse como uma espécie de lei natural, a conquista de uma condição privilegiada. Fui sem esperar grande coisa, sobretudo porque havia lido umas críticas no estilo "mais um filme hollywoodiano bobo", mas me surpreendi pela beleza e sensibilidade expressas na trama. O filme traz, sem deixar de lado a complexidade necessária, algo que vai muito além de um simples conflito, gerado por uma condição de classe. Seu ponto principal é o modo como as frustrações e conflitos sociais e de gênero são internalizados e convertidos em alterações psicológicas de extrema seriedade. Os dois personagens principais vivem em um subúrbio norte americano. Na juventude, ela sonhava em ser atriz e nesse sentido foi aos poucos internalizando em seu hábitus as práticas e costumes da vida burguesa e ele, sempre buscou ser algo diferente do seu pai (que de tão comum se tornou seu modelo do que "não ser"). Isso fez com que cada vez mais fossem se apaixonando pelas próprias imagens que criaram a respeito de si próprios (por suas personas portanto), criando assim, um compromisso com essas auto-representações. E eles vão a cada momento do filme projetando um sobre o outro as angústias e silenciamentos que sua condição e os filhos só ampliam. Isso os faz entrar em uma crise imensa e no auge do delírio decidem largar todas as coisas e fazerem aquilo que para um casal como eles parecia impossível: ir à Paris tentar uma vida de sonhos. No momento em que tomam essa decisão não hesitam em procurar os vizinhos para tirar proveito de uma das poucas oportunidades que possuem de parecerem privilegiados, vivenciando o prazer da excessão. Mas isso dura pouco e com o tempo tudo vai ficando novamente obscuro, sobretudo por uma gravidez inesperada e pela presença de um personagem que após uma passagem traumática por hospitais psiquiátricos tornou-se alguém extremamente inconveniente, na medida em que diz aquilo que deve ser silenciado, rompendo assim com todos os costumes e habitos tradicionalmente burgueses. Há um momento no filme em que o casal anda junto a esse homem, por um campo próximo à casa onde residem, ainda com o sonho de irem à Paris e dizem a ele que querem mudar de vida porque em suas palavras "a vida é vazia e sem esperanças". Ao ouvir isso o homem responde imediatamente, dizendo que havia sido bom eles chegarem àquela conclusão uma vez que "muitas pessoas descobrem que a vida é vazia, mas poucas são capazes de entender a falta de esperança". Isso cai como um balde de água fria em suas cabeças porque joga em suas caras a fantasia que estavam criando para si próprios. (ficava claro nesse caso que seria muito mais fácil levarem o subúrbio para Paris do que se transformarem em Parisienses, ou seja, que o compromisso no qual haviam se concentrado , podia ser creditado muito mais nas imagens que criaram a respeito de si próprios do que naquilo que eram de fato). O filme então segue essa lógica de idas e voltas, crises e pazes, tudo ligado a um mesmo conflito, a saber, o da crença em uma superioridade intelectual e moral em relação aos pares. Os grandes problemas vão acontecendo conforme os personagens vão descobrindo que não carregam nenhuma marca capaz de distingui-los profundamente daqueles que vivem a seu lado, em suas vidas cotidianas. O caldo entorna de vez quando não conseguem esconder de si próprios as fantasias que criaram, e, portanto, a semelhança embrionária que guardam com um projeto de vida nada "nobre" dentro das convenções burguesas mais triviais. É como se vissem a si próprios em um espelho da forma que menos desejavam. Da forma como a vida quis, e não eles. O lado bonito que achei refere-se à forma como isso aparece nas relações de gênero e nas noções de "feminilidade" e "masculinidade" surgidas ai. Se por um lado a personagem de Kate Winslet tornou-se recatada como um preço que deveria pagar para parecer a si mesma da forma como gostaria de ser vista pelos "outros" (perdendo esse caráter autocentrado conforme vai se frustrando com sua própria imagem), o personagem de Dicaprio nao fica atrás. Ele busca se destacar o tempo todo do tipo "suburbano insensível". Mas Frank, o personagem de Dicaprio acaba nesse momento se vendo obrigado a sustentar toda uma série de projeções violentas de April. É como se ela cobrasse dele (por ser "homem") o resgate do sonho perdido. Mas a realidade é esfregada em suas faces do pior modo possível, como ocorre com todos nós. O ponto triste do filme, um pouco decepcionante apesar dos dos preparos anteriores, é aquela expectativa de ver (pelo belíssimo tema) uma trama da altura de um Ingmar Bergman. Fica aquele sentimento de que poderia ter sido ainda melhor filmado, sem clichês (como as fórmulinhas consagradas em Beleza Americana). Isso se deve a um fato muito simples: a falta de uma delicadeza com os silêncios tão prestigiados entre os grandes diretores europeus. No filme, dadas as pressões do mercado cinematográfico, todos os principais dilemas dos personagens acabam sendo verbalizados por eles, acabam escancarados, sem que haja espaço para as coisas que deixam de ser ditas, que se enunciam em pausas, gestos, movimentos, etc. (para ver um exemplo disso basta ver a série "Cenas de um Casamento" de Bergman). Isso cansa um pouquinho e frustra uma certa expectativa, mas nada que tire a beleza do filme. Com toda certeza fica aqui minha indicação. Boa seção a todos amigos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Um comentário:

Unknown disse...

Ainda não assisti... mas lendo seu texto fiquei com vontade de assistir... interessante!
Um filme que gostei bastante desses recentes de hollywood foi " O Curioso cado de Benjamin Button"
O Conto de Scott Fitzgerald foi muito bem adaptado, achei simplesmente tocante e existencialista.. Nos faz refletir muito... nãos ei se você assistiu, mas vale a pena. Às vezes somos tolidos por nossos próprios preconceitos... Por isso gosto de ver de tudo um pouco para passar por cima disso...

Creio que a maioria dos filmes de hollywood são "tomados" por um clichê absurdo e em geral: lixo arremessado por todo mundo... e temos que engolir. Mas confesso que alguns vêm me surpreendendo...

Adorei seu texto...
bjs