domingo, 25 de janeiro de 2009

A beleza está nos olhos de quem vê - Parte 3



Corpo e representação na cultura brasileira contemporânea



Nos tempos atuais, em países como Brasil e Estados Unidos, a imagem acima nos parece bastante "natural". Na realidade, diante do bombardeio cultural e publicitário a que somos submetidos, pouco nos interrogamos a respeito dos modelos de "masculinidade" e "feminilidade"capazes de darem vazão a um volume tão alto de cirurgias plásticas, revistas especializadas em receitas de "beleza", programas de televisão fundamentados na explicitação banal dos corpos (seja para cultivá-los ou ridicularizá-los), etc.

O antropólogo Marcel Mauss, em diversos ensaios e particularmente em seu "As técnicas corporais" (1974), apontou para algo atualmente consensual na Antropologia, melhor dizendo, o autor fez-nos enxergar que o corpo funciona como um dos espaços privilegiados para a inscrição do mundo social. Sendo assim, podemos pensar que o corpo é a imagem da sociedade, e que, portanto, os corpos brasileiros dizem muito sobre nosso país e suas singularidades. Mas o que exatamente esses corpos nos informam?

Ao ler recentemente um artigo da antropóloga Mirian Goldenberg, professora do depto. de Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro*, a respeito deste tema, diversas informações me surpreenderam. Além dos inúmeros (e já conhecidos) dados estatísticos que colocam o país na liderança em quase todas as intervenções físicas ligadas à busca do rejuvenecimento, como venda de anabolizantes, produtos de beleza, tratamentos de estética (como a aplicação de Botox), além das cirurgias plásticas, algo que me despertou a atenção, dado seu conteúdo revelador, foi o diálogo que Goldenberg traça com outros pesquisadores, como Malysse (2002) que, num estudo comparativo entre Brasil e França no tocante à representação do corpo feminino, mostrou, por exemplo que entre as mulheres francesas a produção da aparência pessoal é tradicionalmente voltada para a roupa, enquanto que no Brasil é o corpo que se encontra no centro das estratégias do vestir. Em nosso país é o corpo que entra e sai de moda, sendo a roupa um mero acessório para sua valorização.

Outros dados alarmantes ligados à representação do corpo em terras tupiniquins se refere às construções "esquizofrênicas" de "masculinidade" e "feminilidade" desenvolvidas entre homens e mulheres, uma vez que as mulheres pretendem seduzir os homens com um corpo bastante distante da preferência masculina e vice versa. Se para as mulheres o padrão de beleza privilegia um perfil exageradamente magro, para os homens ocorre justamente o oposto.

Indo um pouco além nessa discussão o que podemos ver é que o corpo tornou-se um valor, ou seja, foi capitalizado (seria melhor dizer colonizado) no interior de um sistema cultural (e por isso também econômico, político e social) tradicionalmente ligado a práticas paternalistas de poder (o famoso "jeitinho") e por isso, permissivas em relação ao uso da violência física contra aqueles que não se encontram no auto escalão social. Isso é o que outra antropóloga de fundamental importância, Teresa Caldeira, chama de "corpo incircunscrito". Trata-se do fato de que, ao contrário da maioria dos países europeus, onde os direitos civis se consolidaram e onde, por esse motivo, o corpo se tornou o limite das relações sociais, na frágil construção democrática brasileira isto está longe de ocorrer (basta vermos os números alarmantes de assassinatos cometidos por agentes do Estado, além dos registros de tortura cometidos pelos mesmos atores).

Aqui, os ideias de beleza física (masculinos e femininos) se tornaram mais uma ferramenta de dominação na medida em que oferecem a idéia de que "se não há a possibilidade de lutar por uma chance nos mecanismos legítimos de distribuição de poder", há como se dar "um jeitinho" adequando o corpo aos padrões de medida ideais. Com isso a população acaba sendo incrita num estado permanente de insegurança corporal que faz com que o envelhecimento ou os desvios do padrão estético glorificado pela publicidade (bastante distante, diga-se de passagem, da maioria dos brasileiros) sejam vistos como patologias.

Em nossa sociedade, o corpo se tornou mais um entre outros meios de "satisfação". Para isso, é necessário que seja produtivo, capaz de ser "incrementado", "modernizado", "costumizado", como os carros, roupas e acessórios dos adolescentes de classe média alta das grandes metrópoles. É preciso torná-lo uma novidade constante. Uma novidade capaz de alimentar o desejo da mesma forma que um objeto de consumo qualquer, ou seja, instigando-o à experimentação e não à duração. Assim, torna-se preciso manter-se "jovem" e "ativo" para ter alguma "utilidade". Nesse contexto a "cidadania" também tornou-se um produto a ser comprado no mercado.




* "Corpo e dominação masculina na cultura brasileira" - Miriam Goldenberg


4 comentários:

Anônimo disse...

Ótimo Guilhermo. Você conseguiu apresentar, em linhas gerais, um pouco da dinâmica do corpo em nossa sociedade. É engraçado observar, como você apontou, como os tipos ideais de corpo, tanto para homens quanto para mulheres, são contraditórios. Gostei da parte da comparação entre Brasil e França, na qual em nosso país, a importância do corpo é mais significativa em relação a roupa, enquanto o contrário é o inverso. Mas, como diante de toda diversidade brasileira, um bom exercício é pensar neste "culto ao corpo" de forma mais especifica.

No mais, é um debate amplo e interessante, que necessita ser posto em discussão mais vezes. Um grande abraço!

Ps: Depois, vamos tomar uma!

Olharinfoco Blog disse...

Gian, para mim é o maior prazer ter um comentário seu em meu blog. Concordo com cada vírgula sua. Esse é um problema que me i9nstiga as vezes. Já estou em sampa. Vamos tomar uma com certeza. Mas por favor, me passe seu e-mail, para a gente combinar algo. Um forte abraço e novamente obrigado por sua atenção amigão, Guilhermo...

Tania Capel disse...

olá. que bom que est[á de volta!

vou indicar um blog que está abordando tema semelhante, se quiser passar por lá:

http://dselectivo.blogspot.com

outra coisa, o texto da parte 1 é seu?! posso indicá-lo em um site que seleciona artes da net??

abraços e bom final de semana!

Unknown disse...

Uau! Que Coincidência ótima estarmos abordando o mesmo tema. É bom compartilhar pontos de vista e é claro, uma boa pesquisa...

Beleza é uma questão assustadoramente profunda( " Dá pano pra manga").Essa, de fato, é uma discussão incrível e abrangente requer pesquisa histórica,dentre outras e infelizmente as pessoas não dão tanta importancia e acham que beleza é uma coisa definida e ponto final!

Adorei seu texto. Parabéns!Vou acompanhar seu blog a partir de agora...

Fiquei feliz e honrada com sua visita...Volte sempre! bj