Sobre gatos e homens, ou seria o contrário????

Por Guilhermo Aderaldo

Sabem aqueles jogos cujo objetivo final é o de provocar uma diversão ao enganarmos nosso cérebro com uma "ilusão de ótica"? Pois bem, a graça dessas invenções está justamente no fato de que elas nos permitem perceber como o ato de "enxergar" é diferente de "ver". Esse pequeno truque aponta para o fato de que muitas vezes, ao contrário de vermos a "realidade", como costumamos supor, o que fazemos é enxergar nossas próprias projeções, de maneira que o mundo seja adaptado a elas e não o contrário. Pois bem, agora há pouco, fuçando na internet deparei-me com um vídeo muito interessante (esse ai em cima), sobretudo para quem adora gatos como eu. No vídeo realizado por uma grande companhia de rações norte americana, a idéia é a de gerar uma impressão de que, por meio da microcâmera instalada na coleira do gatinho e do consequente acompanhamento de sua jornada diária (dai o "diário" no título do vídeo) possamos compreendê-lo melhor. Entender seu comportamento. Mas no fundo, o que percebemos é justamente o contrário. Ao acompanhar suas caminhadas e travessuras, tudo o que podemos perceber é o modo  de disposição da mobília, a arquitetura das coisas, os lugares onde se encontram os objetos e que tipos de objetos se encontram nos lugares, entre outras coisas ligadas aos hábitos de vida de seus donos. No fundo, o vídeo é muito ilustrativo de uma cultura fundamentada na "visão" e pouco aberta à audição e a outras formas de sensibilidade. Agora imaginem como seria o vídeo de uma microcâmera instalada na coleira de um gatinho morador de uma favela brasileira? E de um gatinho morador de um assentamento de refugiados ou de uma ocupação do  movimento sem teto? Interessante pensar não? Mas ai talvez não tivesse tanta graça (pois nossa prepotência não parece tão "bonitinha" e "fofinha") e seria quase impossível de ser patrocinado por uma empresa, ainda mais norte americana. Por fim,  tudo o que o vídeo é capaz de nos mostrar é, assim como os jogos dos quais falei no começo, uma projeção de nossa noção de "natureza". Uma projeção de que sabemos algo sobre os gatos. No fundo enganamos nossos cérebros novamente ao acharmos que estamos assistindo um vídeo sobre os bichanos. Achamos que somos capazes de ver "natureza", onde tudo é "cultura" (ou, talvez fosse melhor dizer justamente o contrário. Achamos que vemos "cultura" onde tudo é "natureza"). Como dizia Franz Boas "O olho é o orgão da tradição". Pobres humanos!!!!!

Ah, e também tem um bom sobre "Natureza" e "Cultura" através da fala do antropólogo Viveiros de Castro (Museu Nacional/UFRJ). Vejam: