sábado, 7 de fevereiro de 2009


"Spread" vergonhoso

Bancos "made in Brazil" são os que mais lucram no mundo; dão inveja às instituições financeiras de todo o planeta


MUITOS BRASILEIROS devem se perguntar por que as notícias sobre desemprego, férias coletivas, acordos para reduzir salários e jornada de trabalho se tornaram corriqueiras nas últimas semanas, se havia, em todo o mundo, a impressão de que a crise não seria tão aguda no Brasil?
Resposta: porque, fora daqui, não conheciam muito bem os nossos banqueiros.
Também desconheciam que o Brasil é um condomínio, digamos, em que o zelador é o presidente da República, mas o síndico é o sistema financeiro. Zelador algum, por mais autonomia que tenha, desrespeita o síndico, não é?
Esta Folha demonstrou, por A mais B, no último domingo, que o Brasil tem o maior "spread" bancário (diferença entre o custo do dinheiro para os bancos e o que ele cobra para emprestar) do mundo.
A poderosa federação dos bancos, a Febraban, disse que não dá para comparar realidades distintas. Esse argumento valeria se o Brasil fosse cotejado com Europa, Estados Unidos e Japão. Pois bem, o nosso "spread" é de 34,88%, enquanto o da vizinha Argentina é de 7,85%, o da Rússia, 6,47% e o do México, -0,06%.
O governo, o zelador, ameaça divulgar o "spread" de cada banco, para fomentar concorrência. Ora, se é difícil até conseguir abrir uma conta corrente, imagine se o consumidor terá força para dar cartão vermelho a bancos que abusem do "spread".
Lembrem-se de que a crise, em território nacional, começou lá por outubro, novembro, quando o crédito sumiu. Ou seja, quando os bancos dificultaram os empréstimos. Alegação: aumento do risco. Mas, ora, o "spread" não é tão elevado porque já embute esse risco?
Os bancos "made in Brazil" são os que mais lucram no mundo. Dão inveja às instituições financeiras ao redor do planeta. Realmente, com um "spread" desses, não há redução da Selic (a taxa de juros determinada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central) que dê jeito.
Só um ingênuo, ou alguém com interesses políticos, poderia afirmar que o Brasil passaria incólume pela crise. Afinal, se os países ricos deixam de comprar, nossas exportações, necessariamente, caem. Por outro lado, temos um respeitável mercado interno, formado, em sua maioria, por famílias que ainda necessitam comprar de tudo.
Nosso déficit habitacional oscila em torno de oito milhões de moradias. Saneamento básico (tratamento de água e de esgoto) ainda é luxo para milhões de brasileiros.
Mercado é o que não falta. O problema é o que o síndico mandou fechar os cofres. E jogou o Condomínio Brasil em uma crise sem precedentes. O zelador, coitado, esperneou, fez cara feia, teve azia, mas obedeceu.
Pois não há reuniões de condomínio para eleger o síndico. Aí está a fonte do desequilíbrio. Elege-se o zelador, que, por sua vez, promete muito, mas não tem força para mudar as ordens dadas pelo síndico. E as mensalidades do condomínio não param de subir, para melhorar a vida do síndico. Com a palavra, os condôminos.

Texto escrito por Maria Inês Dolci para a Folha de São Paulo

07 de Fevereiro de 2009

2 comentários:

ART disse...

a vantagem é que, no caso do condomínio, a gente até vota no síndico... no caso dos bandos, no máximo votamos no zelador!

ART disse...

eu quis dizer bancos, mas acho que valeu... rs